lucas francisco rocha

Representação de idiomas dos quais me sinto a vontade para me comunicar

Jagunço à bordo – EP2

A tripulação de um cruzeiro é um microcosmo da diversidade social e cultural do mundo, um reflexo vibrante de diferentes nações e realidades. Em sua grande maioria, são sobreviventes, indivíduos que carregam consigo as problemáticas sociais inerentes às suas classes, alguns impulsionados pela necessidade de um contrato, outros pela sede de aventura. Essa convivência intensa e multifacetada me proporcionou um aprendizado imenso sobre as relações interpessoais e profissionais, uma experiência que, acredito, foi intensificada pelo ambiente confinado e desafiador de um trabalho a bordo.

Viver essa realidade marítima me fez repensar o universo do restaurante e do atendimento de uma forma profunda. Muitos desses profissionais, impossibilitados de uma inclusão social e profissional em terra, especialmente latinos e centro-americanos, encontravam apoio em suas problemáticas correligionárias e similaridades. No entanto, essa união muitas vezes se manifestava de formas corruptas e perniciosas, relativizando comportamentos de todas as espécies e buscando realizações pessoais a bordo. Nós, latino-americanos, sem uma saída evidente, nos sujeitávamos às piores condições de trabalho, com responsáveis coniventes com todo tipo de comportamento. Eles se esforçavam para manter seus empregados, pois reformular as equipes e encontrar novos funcionários que aceitassem as condições era quase impossível, uma vez que a temporada já havia começado.

Desde o início, deparei-me com um alcoolismo generalizado. No trabalho, com total acesso ao bar, os destilados estavam à mão. Testemunhei o tráfico de álcool desde o primeiro dia, festas e relações com clientes, brigas e confusões a bordo. Era um ambiente único, uma sociedade flutuante que, por vezes, assemelhava-se a uma prisão flutuante. Contudo, em meio a esse caos, as paisagens eram de tirar o fôlego, e o mundo parecia se abrir para minhas curiosidades. As conversas à beira do balcão, com pessoas de tantas nacionalidades, eram um convite à prática intensa da expressão e à escuta de histórias cuja veracidade, até hoje, questiono. Eram encontros efêmeros, que, se não fossem aproveitados naquele pequeno período de tempo, não teriam chance de um esclarecimento posterior, uma volatilidade que pode estimular mal muitas pessoas.

Tudo a bordo era determinado pelos interesses e pelas curiosidades que nos guiavam. Alguns anseios básicos nos impulsionam, sem questionar, como necessidades existenciais profundamente enraizadas em nossa humanidade. Poucos são aqueles que conseguem revolucionar o autocontrole para dominar o espírito e conquistar o que vem depois. Como já havia mencionado, eu carregava alguns maus hábitos e continuei a praticá-los a bordo. Havia vivido uma paixão recente em minha cidade e trabalhava com a expectativa de um reencontro, mas o alcoolismo me tranquilizava enormemente nas duras jornadas de trabalho e nas frustrações que surgiam. Uma companheira de trabalho logo se tornou minha confidente, e, pela primeira vez, consegui entender algo que nunca havia compreendido: não existe amizade pura entre homens e mulheres, não sem uma regulação cuidadosa do ambiente, das relações interligadas e das pessoas envolvidas. Esse espaço, nossa área de interação e encontros, estava sempre acompanhado de algum tipo de álcool. Interagíamos, bebíamos e fumávamos, com o mar como nosso horizonte na maioria das vezes. Estávamos entre ingleses, espanhóis, centro-americanos, latinos, indianos, cingaleses e muitas outras origens.

Minha curiosidade insaciável me levava a questionar as vivências regionais das pessoas, as organizações de seus países, as atividades de suas famílias. Conheci sobre as regionalidades do meu próprio país através dos meus colegas de trabalho, aprendi sobre a Inglaterra e as mulheres inglesas, sobre os espanhóis e as espanholas, sobre a Guatemala, Honduras, Costa Rica, Porto Rico, e até mesmo sobre a Indonésia. O som dos corredores era sempre de tempestade, o barulho das ondas batendo na lateral do navio. No começo, dava medo, mas com o tempo, parecia que eu dormia sob o som da chuva. Não sei se pela exaustão do trabalho ou pela constante embriaguez, tive ótimas noites de sono, como uma sardinha em lata. As rotinas eram divididas em um período de recepção na piscina, o que me garantia um bom café da manhã com Baileys, café e banana – uma manhã sempre mareada. À noite, eu trabalhava no bar do cassino, onde se concentrava o maior movimento do navio.

A música era incrivelmente boa, não apenas pelo repertório, mas porque a banda era excepcional, e, junto a eles, havia uma equipe de animação que encantava com suas piadas. Todos queriam ser amigos dos músicos e artistas, a elite do navio. Eles estavam sempre com os seguranças e tinham acesso a todo tipo de drogas: haxixe, maconha e cocaína. Sujeitos a testes de drogas, eu não entendia como eles se arriscavam tanto. No fundo, o contrato não parecia importar tanto quanto a “diversão”. As relações, com o tempo, mostraram-se muito elásticas, como nos bairros. Sempre que me sentia atraído por uma mulher, descobria que alguém já havia se relacionado com ela. Muitos já estavam embarcados há anos.