lucas francisco rocha

Representação de idiomas dos quais me sinto a vontade para me comunicar

Jagunço à bordo – EP1

Para todos aqueles que já sonharam em desbravar horizontes, seja em busca de autoconhecimento ou de uma nova perspectiva sobre o mundo, esta é a minha história de aventura que transcendeu as expectativas. Uma jornada a bordo de um cruzeiro, onde o mar não era apenas um cenário, mas um espelho das profundezas da alma, revelando lições inestimáveis sobre a minha própria existência, idiomas, gastronomia e acima de tudo sobre vício. Como narrar os momentos cruciais de nossa trajetória, aqueles que marcam um antes e um depois? Esta experiência, um verdadeiro divisor de águas, surgiu em minha vida de forma tão súbita quanto transformadora. Em um período de turbulência e anseio por novos caminhos, a oportunidade de me candidatar a uma vaga de “Barboy” em uma renomada companhia de cruzeiros surgiu como um farol na escuridão. Mal sabia eu que essa decisão, tomada com poucas esperanças de sucesso, seria o prelúdio de uma odisseia que moldaria meu ser de maneiras inimagináveis. Com um inglês forjado na autodidaxia, lapidado por tutoriais de informática e embalado pelo ritmo pulsante do HIP-HOP norte-americano, a aprovação parecia um sonho distante. Meses se passaram, e a espera, permeada por uma mistura de ansiedade e resignação, finalmente chegou ao fim, o ano era 2013. A notícia da contratação não foi apenas um sim a um emprego, mas um convite para o desconhecido, uma passagem para o primeiro voo da minha vida. A sensação de decolar pela primeira vez, com o mundo se encolhendo sob meus pés, era uma mistura inebriante de medo e excitação. O destino: Barcelona, com uma conexão estratégica no majestoso Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. Aqueles primeiros “sprints” pelos corredores de um aeroporto internacional, com o coração batendo no ritmo frenético dos ponteiros do relógio, foram um batismo de fogo. A conexão era apertada, mas a empresa havia orquestrado cada detalhe, cada processo, com uma precisão que me fez sentir, pela primeira vez, verdadeiramente valorizado. A percepção de que uma organização tão grande estava investindo em meu potencial, cuidando de cada etapa da minha jornada, era um bálsamo para a alma, um atestado de que eu era especial.

Mal sabia eu, contudo, as realidades e os desafios que me aguardavam além daquele véu de otimismo. Ao desembarcar no imponente Charles de Gaulle, a grandiosidade do lugar era avassaladora. A corrida contra o tempo continuou, com a necessidade de pegar o metrô que serpenteava entre os terminais, uma dança contra o relógio que me levou a ser um dos últimos a embarcar no voo para Barcelona. Aquele momento, de finalmente me acomodar no assento do avião, trouxe um alívio quase palpável, uma tranquilidade que começou a dissipar a ansiedade que me corroía. No entanto, a incerteza sobre o transporte do aeroporto ao porto de Barcelona, e a preocupação em chegar a tempo para o embarque, mantiveram uma tensão latente, um estresse que só seria apaziguado com a visão de uma placa familiar.

Chegando a Barcelona, a visão de um representante da companhia, segurando a placa com o nome que se tornaria meu lar flutuante, foi o calmante final. Aquele era o sinal de que a odisseia estava prestes a começar. O primeiro dia de embarque em um cruzeiro é, sem dúvida, um turbilhão de emoções e burocracias. À beira do porto, em uma fila que parecia interminável, tive a oportunidade de conhecer alguns dos meus futuros companheiros de jornada, rostos que, assim como o meu, carregavam a mistura de apreensão e esperança. Fomos então direcionados a uma sala de treinamentos, onde a revisão de documentos, vacinas e a atribuição de posições nos aguardavam. A entrega da chave da cabine, um espaço de apenas 9 metros quadrados que seria meu refúgio, e uma agenda de trabalho que rivalizava com a rotina militar, reforçaram a intensidade do que estava por vir. Com a cabine definida e os bares de atuação inicial designados, fomos orientados a nos dirigir ao ponto de encontro em caso de emergência, um lembrete constante da seriedade da vida em alto mar. Após pegar os uniformes, segui para acomodar meus pertences no pequeno dormitório, um espaço que, apesar de exíguo, seria meu santuário. Troquei-me rapidamente para assumir minha primeira jornada, que se resumiu à apresentação aos meus superiores e às minhas funções. Contudo, logo de início, um dilema se apresentou: a necessidade de uma transferência de cabine. Meu chefe de bar era brasileiro, e a ideia de dividir o espaço com ele, embora inicialmente parecesse uma facilidade para o período de treinamento e para evitar choques culturais com colegas de Sri Lanka ou Índia, revelou-se um desafio. Não por preconceito, mas pela complexidade das relações hierárquicas em um ambiente tão confinado.

E foi ali, naquele universo flutuante, que me deparei com uma realidade perturbadora: o alcoolismo. Logo no primeiro dia, a oferta de cerveja gratuita para a “manutenção do alcoolismo” era um presságio do que viria. Com acesso irrestrito a todos os tipos de destilados, desviar bebidas para consumo próprio tornou-se uma tentação constante. A linha tênue entre a saúde física e mental se desfez, e a sensação de que não havia mais volta, de que eu estava preso em um ciclo vicioso, era avassaladora. Após o primeiro período de trabalho, encontrei refúgio na área de fumantes, compartilhando latas de “San Miguel” com meu responsável direto. Aquele espaço delimitado, onde podíamos beber e fumar entre os turnos, e onde um grande cinzeiro tubular servia para esconder um saco de lixo com as bebidas, tornou-se um ponto de encontro, um oásis em meio à rotina exaustiva.

Era também para esse local que eu me dirigia quando a sirene tocava nos treinamentos de evacuação. A urgência de vestir o colete salva-vidas e me posicionar o mais rápido possível, responsável por direcionar os clientes para a área dos botes, era uma rotina que já me havia sido antecipada no porto de Santos, durante o treinamento para profissionais marítimos (STCSW). A vida em alto mar, com suas exigências e peculiaridades, é, de fato, para poucos. Uma aventura profissional que se transformou em um aprendizado de vida profundo, mas que me deixou uma certeza: nunca mais embarcarei a trabalho. Essa é uma declaração que faço com a clareza de quem viveu e aprendeu, e que ecoa a intensidade das experiências vividas.